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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O estranho caso de Zero Dark Thirty

por Isabel Chalupa


Surgiu com a estreia do novo filme de Kathryn Bigelow, Zero Dark Thirty (00:30 Hora Negra em português, sendo que abreviarei o nome original para ZDT), um tema polémico que tem causado um invulgar número de declarações oficiais e uma troca bastante peculiar de comentários entre a realizadora e, imagine-se, a CIA. E qual é a causa de tal alvoroço, pergunta o leitor? Ora vejamos: surgiu o boato de que ZDT é pró-tortura. Uma afirmação que não só não prima pela perspicácia, como pela inteligência.

Antes de mais, compete-me referir que Bigelow já veio revogar o direito de um autor à arte, retratando na tela o que quer que flua pelas suas veias artísticas. Assim, é sua liberdade exprimir a sua arte e talento, seja sob que forma for.

Regressando ao assunto em si, é importante colocar uma questão: obras que retratem a guerra são a favor da guerra? Obras que retratem o abuso sexual são a favor do abuso sexual? Então por que é que obras que retratem tortura serão a favor da tortura? Goya (pintura) e Robert Capa (fotografia) ilustraram a guerra, Lynch e Gaspar Noé (cinema) ilustraram o abuso sexual, mas nem por isso glorificavam tais realidades. Assim, por que razão será Kathryn Bigelow acusada de realizar um filme pró-tortura?



Porém, para mim o mais impressionante é mesmo haver uma grande discussão acerca de um tema que não é! Primeiro de tudo, o filme retrata factos. O argumento não pode fugir aos mesmos: se os testemunhos em que se baseou relatam o uso de tortura, não há modo de fugir ao retrato da mesma. Além disso, é fundamental assinalar que, conforme o filme narra e expõe, os maiores avanços foram feitos sem tortura. É no governo de Obama que os Estados Unidos se declaram contra essa forma de obtenção de informação e, de facto, é após essa mesma decisão que os grandes desenvolvimentos na procura por Bin Laden se revelam. Assim, em vez de nos preocuparmos com a tortura relatada em ZDT, que tal preocuparmo-nos com o uso de tortura na CIA? Na vida real? De facto, o filme expõe essa realidade repugnante, atroz e assustadora. Mais do que o facto de Bigelow nos mostrar as barbaridades que se passavam nos estabelecimentos prisionais, é aterrador o facto de tais métodos absolutamente truculentos e desumanos terem sido utilizados para extrair informação de pessoas por diversas vezes inocentes – como podemos confirmar no documentário Standard Operating Procedure (ou em Ghosts of Abu Ghraib).


O importante aqui é distinguir o que é arte do que é ferramenta política. E Zero Dark Thirty não pode, de modo algum, ser considerado pró-tortura. Atribuir-lhe tal designação seria assassinar a arte que este personifica, o dom de uma realizadora que ainda tem muito para dar ao Cinema. Bigelow já foi prejudicada por um tema que, repito, não o é ao ser deixada de fora na lista dos nomeados ao Óscar de Melhor Realizador. Assim, reitero que ZDT não é pró-tortura, muito pelo contrário: procura, isso sim, ilustrar uma versão dos acontecimentos o mais próxima possível à realidade e, com isso, denunciar as metodologias beluínas utlizadas há bem pouco tempo atrás por aquela que é considerada a maior organização social de “segurança” do mundo: a CIA.

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