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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Do Alto do Cavalo Azul volto a ser criança

por Sara M. Garcia


Em que alto cavalo azul
Inda serei menino?
                               - Vergílio Alberto Vieira.


Tempos idos. Lembranças reavivadas nas brincadeiras, cheiros, sorrisos, pessoas e lugares que nos fazem querer sentar ao lado daquela criança que conhecemos tão bem e que ainda trazemos em nós.

Ali corríamos, pulávamos à corda, inspecionávamos carreiros de formigas, trepávamos árvores, jogávamos à macaca, inventávamos estórias e vivíamos felizes entre bonecas e carrinhos na certeza de sermos heróis, com a boca suja de chocolate, sentindo o vento na cara e o tempo suspenso nos baloiços (voadores!) do jardim.

            Acreditávamos, brincando.

Aquele era um mundo à parte. Nosso. Dos nossos amigos. Uma das muitas dimensões que compõem a Infância. Recantos onde o estado das coisas parecia possuir a dose certa de imprevisibilidade, espontaneidade e imaginação.
            - Estou a brincar! – Retorquíamos inúmeras vezes, com a maior naturalidade.
            
De facto, é com esta mesma simplicidade que devemos encarar que inerente à Criança está o próprio acto de brincar. Brincando Ela cresce de forma saudável e desenvolve-se, relacionando-se e aprendendo com o meio e com o Outro. Não devemos, por isso, desvalorizar este processo nem tão-pouco as múltiplas formas de expressão (simples ou complexas) que dele advêm, pois é na interação com diferentes contextos, no desencadear de aventuras, na capacidade de criar, no resolver de situações-problemas, entre outros que a criança, brincando, acaba por aprender, iniciando um decurso de formação identitária.
            
Assim, quando falamos em brincar há que ter em consideração de que é uma estrutura indispensável ao crescimento do ser humano, capaz de aliar dois ambientes distintos que se complementam: o lúdico e o educativo (aprendizagem progressiva/ aquisição de diversas competências).
            
Para pais e professores o brincar acarreta uma série de formas de ser, pensar e agir específicas das crianças, daí ser essencial para os educadores estarem atentos às manifestações dos seus educandos, pois as diversas brincadeiras são não só o confronto entre elementos do mundo real e do mundo fictício, bem como a exteriorização da criança segundo um código comunicativo bastante particular e variado que difere segundo o histórico pessoal, os estímulos, os recursos, os ambientes, as limitações e a cultura (passando de geração em geração).
            
Numa visão mais didáctico-pedagógica, não podia deixar de mencionar a ligação que existe entre o acto de brincar e o jogo (destaque para a figura de Karl Groos, 1899), sendo este último uma ferramenta indispensável ao desenvolvimento sensório-motor, cognitivo, afectivo, social e da saúde de qualquer indivíduo.
            
No concerne à instituição escola, é comum os professores recorrerem a diferentes jogos, em conformidade com os conteúdos curriculares e objetivos que pretendem promover dentro ou fora da sala de aula (é, ainda, corrente encontrarmos, nas escolas, as chamadas “Ludotecas”), utilizando-os como eficazes ferramentas de trabalho.
            
O jogo insere-se, portanto, numa das muitas possibilidades do brincar (marcando uma vez mais a ideia “brincando e aprendendo”). Na verdade, ambos mais do que actividades de entretenimento (de cariz funcional), inscritos no comportamento da criança, são, antes, parte de um caminho de maturação e de aprendizagem que a mesma percorre, sendo capazes de promover tempos e espaços de lazer, mas, também, uma variedade de desafios intra e interpessoais.
            
Para terminar, realço novamente a importância que o brincar exerce no pleno crescimento da criança, sendo por excelência a conjugação de vastas dimensões, nas quais a criança explora o mundo, adquire valores, supera medos, aguça interesses, desperta e interage (conhecendo-se e conhecendo o que lhe rodeia), à medida que nutre a sua aprendizagem. Tornando-se essencial, numa sociedade marcada pela inactividade, por pais oprimidos pela sobrecarga horária e por crianças, desde cedo, habituadas a estarem sentadas em frente a computadores e demais programas, haver uma (re) avaliação do conceito do brincar, na tentativa de se promover um equilíbrio dos contextos/ realidades e recursos que são disponibilizados à criança, com vista a que se reúnam as condições necessárias à sua prática. Não esquecendo que brincar é um direito. A criança pelo e no acto de brincar usufrui daquela singular essência da “meninice”. É criança.



Bibliografia consultada:
Borràs, Lluís (2001). Os Docentes do 1º e do 2º Ciclos do Ensino Básico: Recursos e técnicas para a formação no século XXI – Volume 2. Setúbal: Marina Editores.
Condessa, Isabel Cabrita, Org. (2009). (Re) Aprender a Brincar: da Especificidade à Diversidade. Ponta Delgada: Universidade dos Açores.
Vieira, Vergílio Alberto (2000). Do Alto do Cavalo Azul. Lisboa: Caminho.

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