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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Gramática da Vida

por Francisca Russo


Hoje não vos venho falar de nenhuma obra em específico. De momento, fiz uma breve pausa na minha leitura de Balzac para começar a ler Infinite Jest de David Foster Wallace. Esta obra foi recentemente traduzida para Português e, para quem ainda não conhece o autor, Foster Wallace é um daqueles escritores com tamanho domínio da língua e da arte de escrever, que simplesmente se pode dar ao luxo de brincar com as palavras o que reflecte na minha incapacidade de ler uma obra sua em Inglês (para já) apesar de me considerar fluente. 

Nestes últimos tempos tenho sentido necessidade de estudar com afinco a gramática portuguesa (pré-acordo ortográfico) que é o meu refugio quando sinto que não sei escrever, ou pior, que não tenho ponta por onde se pegue para expor qualquer tema. Esta minha táctica é um pequeno truque tenho para ultrapassar os bloqueios visto que de todas as vezes que leio mais sobre a nossa língua ou sobre a linguagem, em geral, encontro novos temas para explorar, nomeadamente, metafísicos. 

David Foster Wallace deu um brilhante discurso na Kenyon College, que vos convido a ler, sobre dois peixes que vão a nadar - como todos os peixes parecem fazer - até que aproxima-se um peixe mais velho e pergunta-lhes: "então rapazes! como está a água hoje?" - ao qual os outros retribuem o cumprimento como jovens educados mas que mais adiante, vira-se  um para o outro e pergunta: "mas o que é a água?". O que sempre achei curioso desta pequena história é o modo como retrata, realmente, a forma como a maioria das pessoas leva a vida. Do mesmo modo que existem aqueles que falam e utilizam a língua sem se darem conta das várias regras que estão a empregar instintivamente, o mesmo acontece com a maioria das pessoas que vive sem se dar conta de que está a viver. Com isto não quero dizer que uns sabem o segredo da existência por inteiro e outros não. 

A meu ver, se o homem em todos estes milénios de existência já tivesse encontrado o segredo para aliviar o peso da humanidade, já não estávamos cá. Contrariamente às teorias de Darwin, não sei até que ponto as espécies que entram em vias de extinção não serão as mais fortes. Por favor, aguentem um pouco enquanto elaboro antes de me atirarem com teses bolorentas. Aristóteles dizia que se o homem estivesse satisfeito não teria necessidade de se mover. Ora, o movimento é uma parte constante da vida. Vivemos uma junção de momentos presentes até ao dia em que a eternidade nos congela a nossa conta existencial e viramos pó das estrelas ou "da matéria de que são feitos os sonhos". Tendo isto tudo em mente, não serão essas espécies extintas seres que atingiram a perfeição? Estavam tão perfeitos para o seu propósito de vida tal como para o ambiente onde viviam? É por isto que acredito que a extinção é sinal de que certos seres atingiram o pináculo da existência e como tal, a natureza compensa-lhes o contributo com o descanso eterno. No caso do homem, deixei-me que vos diga que esta tão orgulhosa capacidade de "adaptação" mais não é que um sinal de que ainda temos um longo caminho a percorrer. Muito falta para nos integrarmos por completo na natureza em vez vivermos à sua margem. O Homem mais não é que um Caim ainda perdido na circunferência do seu umbigo e que se alimenta do seu ego ferido. 

Dedico, por fim, esta última nota a todos os "peixes" que tentam compreender a sua substância onde vivem. Já Eça dizia que com todos as árvores, pássaros e livros como é que alguém não pode estar sempre bem disposto? 

Desejo-vos uma excelente semana. 

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