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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Uma série de sons casuais

por Sofia Livro Noronha


Quando se fala em veículos de propagação de conceitos, produtos ou modos de pensar, um dos primeiros que me vem à cabeça é a televisão. Por muito que se ouça muita gente dizer que substituiu o televisor pelo ecrã de computador e os programas com conteúdos controlados pela interactividade da internet, o que é certo é que as famílias ainda se reúnem à volta da televisão e não do computador. Prova disso é o poder que os anúncios televisivos ainda têm em detrimento dos restantes formatos.

Sendo um meio tão preponderante de divulgação, não é surpresa que desenvolva um papel importante na divulgação de música através dos formatos mais variados. Não falo somente de canais de música, como o VH1 ou a MTV a MTV? mas isto ainda passa música?. Refiro-me, antes, aos formatos em que a música é o complemento necessário para que algo resulte. E sublinhe-se, desde já, que ser complementar não é sinónimo de ser acessório.

Pensemos, então, no formato que tem vindo a ganhar terreno nos últimos anos e a arrecadar milhões de espectadores: as séries televisivas. Nem precisamos de pensar em cenas específicas para entender a importância da música ou sequer conhecer a série. Uma pessoa que nunca tenha visto os Simpsons na vida conhece, quase de certeza, a música de genérico, e consegue associá-la à série. E quando falo dos Simpsons, falo também de genéricos adaptados de músicas já existentes, como o de Roswell, de Friends ou de Dr. House. Por mais inócuo que pareça, este é um elemento que define, sem dúvida, a identidade da série.


Com a sua circulação em massa, por todo o mundo (com certeza já passaram por aquele momento em que cada um exibe orgulhosamente a sua lista de séries e as recomenda com entusiasmo a amigos e conhecidos), o formato série tem-se revelado altamente rentável, de tal modo que vários actores de cinema já se infiltraram no trabalho televisivo. Vejamos o exemplo de Zooey Deschanel (New Girl/Jessie e os Rapazes), Ashton Kutcher (Two and a Half Men/Dois Homens e Meio) e Kate Winslet (Mildred Pierce). Com a quantidade suficiente de fundos, uma série vê-se em posição de poder investir numa banda sonora original.


Há que fazer aqui a distinção entre as bandas sonoras originas, ou Original Scores, das listas de músicas usadas na série com autorização dos seus autores, as soundtracks. Programas como a Anatomia de Grey, por exemplo, apostam muito na segunda opção, sendo mesmo muitas músicas já irremediavelmente associadas à série (lembremo-nos da How To Safe a Life, dos The Fray, ou da Breathe In, BreatheOut, de Mat Kearney). Contudo, a importância que mais me interessa aqui sublinhar é a das bandas sonoras originais.

Entre as séries que apostam em bandas sonoras originais estão Breaking Bad (Dave Porter), Heroes (Wendy Melvoin e Lisa Coleman), Dexter (Daniel Licht), Mad Men (David Carbonara), True Blood (Nathan Barr), Supernatural (Jay Greeska), Doctor Who (Murray Gold e Bem Foster), Fringe (Michael Giacchino, Chris Tilton e Chad Seiter) e Downton Abbey (John Lunn). Mais do que esperavam? Há muitas mais, e cada uma merece, na minha opinião, uma audição atenta.



Numa altura em que se discute o 3D como uma forma de intensificar a experiência visual, de modo a oferecer uma melhor experiência na criação de ambientes, julgo que não se pode ignorar a função decisiva que uma banda sonora original, feita à medida e de propósito para aquela história, tem precisamente neste aspecto. É quase como uma casa que tem um cheiro particular. Sabem, quando estão algum tempo fora de casa e, quando voltam, notam que “cheira a casa”? Ou, quando vão a casa de um amigo, reconhecem imediatamente o odor que circula no ar? Não conseguimos muito bem explicar ou destrinçar o que é, mas sabemos que cheira àquele espaço. Penso que se passa algo semelhante com as séries e as suas bandas sonoras. Quando vemos uma cena, nem nos apercebemos que estamos a absorver a música, porque ela parece fundir-se de tal modo com a cena que não as conseguimos separar. Contudo, se nos vendassem os olhos e nos pusessem a ouvir a banda sonora da nossa série favorita, acabaríamos por nos aperceber de que aquela melodia correspondia àquela história, da mesma maneira que o cheiro da minha casa corresponde a mim e eu reconheceria onde estava, mesmo de olhos vendados.

Ainda que possam passar despercebidas, as bandas sonoras desempenham um papel insubstituível, arriscar-me-ia a dizer bem mais poderoso que o 3D, na consolidação do poder dramático de uma cena.

É com particular prazer que acompanho a difusão desta prática e desejo que se mantenha, pela fantástica intervenção que tem na qualidade das séries.

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