Estou de volta! Mas desta
vez com um tópico ligeiramente diferente… Alguma vez ouviram a expressão “O
Homem é um animal racional”? O que se pretende com esta expressão é lembrar que
o Homem tem atitudes que o distinguem dos outros animais. E essas atitudes
correspondem, muitas da vezes, a agir em (maior ou menor) conformidade com o
que é considerado aceite pelo resto da sociedade, quando colocados em certas
posições. É por isso que quando agimos de determinada forma que é contra o status quo moral, nos dizem para “parar
de nos comportarmos como animais”.
Ao conjunto particular das
atitudes e das respostas comportamentais que um indivíduo dá em função de dada
vivência social dá-se o nome de Personalidade. O que pretendo hoje é mostrar de
que modo a Personalidade de uma pessoa está associada à Emoção e, por sua vez,
de que modo esta está relacionada com o nosso funcionamento biológico, neste
caso em particular. Para tal efeito, apresento-vos o caso de Phineas Gage.
Phineas Gage era um simples capataz na
construção de caminhos-de-ferro. Quem o conhecia, descrevia-o como um homem
“inteligente, sensato, responsável, energético, persistente, trabalhador e
eficiente”. Então, que tinha Gage de especial? Bom, ele ficou para a história
por ter sido vítima de um estranho acidente de trabalho…
A 13 de setembro de 1848, enquanto Gage
trabalhava normalmente, uma barra de ferro acertou uma rocha e criou uma faísca
que atingiu pólvora mal acondicionada, causando uma explosão. A explosão fez
com que a barra atravessasse a cabeça de Gage e caísse a 24 m do local da
explosão, coberta de sangue e do seu cérebro. Estamos a falar de um objeto que
media aproximadamente 3 cm de diâmetro e 109 cm de comprimento e pesava sensivelmente
6 kg, e que entrou pelo lado da cara de Gage, passou por trás do seu olho
esquerdo e saiu pelo topo da sua cabeça, destruindo o Lobo Frontal Esquerdo do
seu cérebro. Com certeza, Gage estaria morto…
Se fossem defensores dessa hipótese,
estariam errados. Numa questão de minutos, Gage falou, andou e viajou 1,2 km de
carruagem até ao seu alojamento na cidade, onde se encontrou com um médico. É
verdade que durante duas semanas pouco mais fez que grunhir, mas passadas três
semanas, ergueu-se da cama e andou, quando todos aguardavam a sua morte. Gage
recuperou com “apenas” perda de visão no olho esquerdo, paralisia parcial da
metade esquerda da cara, uma cicatriz na testa e uma depressão no topo da
cabeça, onde “se podia sentir o pulsar do cérebro”. Este improvável
sobrevivente, seguramente, já havia deixado o seu nome nas páginas da história…
E se defendessem, agora, esta hipótese,
estariam novamente errados! Apesar de uma recuperação física sem precedentes,
Gage sofreu sérios distúrbios comportamentais e de personalidade. O homem que
antes era capaz e adorado por todos era agora irreverente, teimoso, caprichoso
e grosseiro, mostrava indiferença pelos outros e era impaciente com o que
entrasse em conflito com os seus interesses. Havia-se tornado, também,
hesitante e abandonava quaisquer decisões imediatamente após a sua tomada,
favorecendo aquilo que fosse mais prático. Era como se se quebrasse o
equilíbrio entre as suas faculdades intelectuais e as suas propensões animais.
Gage tinha, agora, a capacidade intelectual de uma criança associada às paixões
de um homem e, para quem o conhecia, “já não era Gage”. E esta, sim, é a
verdadeira razão pela qual o caso de Gage ficou para a história…
Mas surge então a pergunta… Porque sofreu
Gage afeções comportamentais tão drásticas? Sabe-se, hoje, porquê… Como já
referi, a personalidade é o reflexo emocional às situações que vivemos
socialmente. Mas a emoção não é manifestada exatamente como é originada. Ela é
primeiramente analisada e só depois é exibida. E em todo este processo estão
envolvidos dois centros: o Sistema Límbico e o Córtex dos Lobos Frontais.
O Sistema Límbico é o centro que, perante
determinado cenário, produz a resposta emocional pura, uma resposta animalesca,
se quiserem. Essa resposta é, então, enviada para o Córtex dos Lobos Frontais
que, de acordo com o mesmo cenário, determina até que ponto a resposta
emocional dada é socialmente aceite e ajusta-a. A resposta emocional
evidenciada é, assim, uma resposta modulada, uma resposta humanizada. O
conjunto deste tipo de respostas compõe a nossa personalidade, que apresenta
variações entre indivíduos de acordo com o grau de modificação que o Córtex de
cada um consegue imprimir à emoção. Tendo a barra de ferro destruído o lobo
frontal esquerdo de Gage ao atravessar a sua cabeça compreende-se porque razão
ele teve alterações de personalidade tão severas e se tornou mais “Animal” e
menos “Homem”.
Para quem quiser saber de que forma é
tratado o caso de Gage na atualidade, clicar aqui.
O caso de Phineas Gage constitui, assim,
um marco na História, não só de casos insólitos mas também da própria Medicina,
porque alarmou o Mundo para a possibilidade de haver locais no cérebro
responsáveis por determinadas funções, para a eventualidade de danos em
determinadas zonas do cérebro afetarem a personalidade, para a hipótese de
haver uma ligação entre os Lobos Frontais, a emoção e as decisões práticas… De
facto, este caso foi determinante para argumentar que operações extremamente
invasivas poderiam ser realizadas no cérebro sem que o resultado fosse
necessariamente fatal (tema a tratar em futuras publicações, talvez…). Até à
próxima!
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