Blogue de divulgação cultural, escrito por 28 pessoas. Um texto por dia, todos os dias.

sábado, 24 de novembro de 2012

Personalidade: a personificação da emoção?

por Parelho


Estou de volta! Mas desta vez com um tópico ligeiramente diferente… Alguma vez ouviram a expressão “O Homem é um animal racional”? O que se pretende com esta expressão é lembrar que o Homem tem atitudes que o distinguem dos outros animais. E essas atitudes correspondem, muitas da vezes, a agir em (maior ou menor) conformidade com o que é considerado aceite pelo resto da sociedade, quando colocados em certas posições. É por isso que quando agimos de determinada forma que é contra o status quo moral, nos dizem para “parar de nos comportarmos como animais”.
Ao conjunto particular das atitudes e das respostas comportamentais que um indivíduo dá em função de dada vivência social dá-se o nome de Personalidade. O que pretendo hoje é mostrar de que modo a Personalidade de uma pessoa está associada à Emoção e, por sua vez, de que modo esta está relacionada com o nosso funcionamento biológico, neste caso em particular. Para tal efeito, apresento-vos o caso de Phineas Gage.

Phineas Gage era um simples capataz na construção de caminhos-de-ferro. Quem o conhecia, descrevia-o como um homem “inteligente, sensato, responsável, energético, persistente, trabalhador e eficiente”. Então, que tinha Gage de especial? Bom, ele ficou para a história por ter sido vítima de um estranho acidente de trabalho…

A 13 de setembro de 1848, enquanto Gage trabalhava normalmente, uma barra de ferro acertou uma rocha e criou uma faísca que atingiu pólvora mal acondicionada, causando uma explosão. A explosão fez com que a barra atravessasse a cabeça de Gage e caísse a 24 m do local da explosão, coberta de sangue e do seu cérebro. Estamos a falar de um objeto que media aproximadamente 3 cm de diâmetro e 109 cm de comprimento e pesava sensivelmente 6 kg, e que entrou pelo lado da cara de Gage, passou por trás do seu olho esquerdo e saiu pelo topo da sua cabeça, destruindo o Lobo Frontal Esquerdo do seu cérebro. Com certeza, Gage estaria morto…

Se fossem defensores dessa hipótese, estariam errados. Numa questão de minutos, Gage falou, andou e viajou 1,2 km de carruagem até ao seu alojamento na cidade, onde se encontrou com um médico. É verdade que durante duas semanas pouco mais fez que grunhir, mas passadas três semanas, ergueu-se da cama e andou, quando todos aguardavam a sua morte. Gage recuperou com “apenas” perda de visão no olho esquerdo, paralisia parcial da metade esquerda da cara, uma cicatriz na testa e uma depressão no topo da cabeça, onde “se podia sentir o pulsar do cérebro”. Este improvável sobrevivente, seguramente, já havia deixado o seu nome nas páginas da história…

E se defendessem, agora, esta hipótese, estariam novamente errados! Apesar de uma recuperação física sem precedentes, Gage sofreu sérios distúrbios comportamentais e de personalidade. O homem que antes era capaz e adorado por todos era agora irreverente, teimoso, caprichoso e grosseiro, mostrava indiferença pelos outros e era impaciente com o que entrasse em conflito com os seus interesses. Havia-se tornado, também, hesitante e abandonava quaisquer decisões imediatamente após a sua tomada, favorecendo aquilo que fosse mais prático. Era como se se quebrasse o equilíbrio entre as suas faculdades intelectuais e as suas propensões animais. Gage tinha, agora, a capacidade intelectual de uma criança associada às paixões de um homem e, para quem o conhecia, “já não era Gage”. E esta, sim, é a verdadeira razão pela qual o caso de Gage ficou para a história…

Mas surge então a pergunta… Porque sofreu Gage afeções comportamentais tão drásticas? Sabe-se, hoje, porquê… Como já referi, a personalidade é o reflexo emocional às situações que vivemos socialmente. Mas a emoção não é manifestada exatamente como é originada. Ela é primeiramente analisada e só depois é exibida. E em todo este processo estão envolvidos dois centros: o Sistema Límbico e o Córtex dos Lobos Frontais.

O Sistema Límbico é o centro que, perante determinado cenário, produz a resposta emocional pura, uma resposta animalesca, se quiserem. Essa resposta é, então, enviada para o Córtex dos Lobos Frontais que, de acordo com o mesmo cenário, determina até que ponto a resposta emocional dada é socialmente aceite e ajusta-a. A resposta emocional evidenciada é, assim, uma resposta modulada, uma resposta humanizada. O conjunto deste tipo de respostas compõe a nossa personalidade, que apresenta variações entre indivíduos de acordo com o grau de modificação que o Córtex de cada um consegue imprimir à emoção. Tendo a barra de ferro destruído o lobo frontal esquerdo de Gage ao atravessar a sua cabeça compreende-se porque razão ele teve alterações de personalidade tão severas e se tornou mais “Animal” e menos “Homem”.

Para quem quiser saber de que forma é tratado o caso de Gage na atualidade, clicar aqui.

O caso de Phineas Gage constitui, assim, um marco na História, não só de casos insólitos mas também da própria Medicina, porque alarmou o Mundo para a possibilidade de haver locais no cérebro responsáveis por determinadas funções, para a eventualidade de danos em determinadas zonas do cérebro afetarem a personalidade, para a hipótese de haver uma ligação entre os Lobos Frontais, a emoção e as decisões práticas… De facto, este caso foi determinante para argumentar que operações extremamente invasivas poderiam ser realizadas no cérebro sem que o resultado fosse necessariamente fatal (tema a tratar em futuras publicações, talvez…). Até à próxima!


Sem comentários:

Enviar um comentário