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domingo, 4 de novembro de 2012

La Comédie Humaine - Balzac

por Francisca R.


Agora que o ano está a chegar ao fim, apercebo-me de que não cumpri completamente as minhas resoluções de 2012. Todos os anos estabeleço uma lista de livros que quero ler nos próximos 12 meses. Por vezes sigo por esse roteiro, outras vezes, fico-me a meio. 

Este ano decidi que ia enveredar pela leitura da La Comédie Humaine de Balzac. É com alguma vergonha que admito que ainda só vou no segundo. Porém, a leitura deve ser saboreada com alguma calma de modo a podermos usufruir de todos os seus benefícios. 

No primeiro volume, como em todos os outros que lhe seguem, são-nos apresentadas várias personagens em pequenas histórias e cenários diferentes. Por vezes tão aliciantes que me vi levada por uma profunda tristeza quando certas personagens ficaram para trás. É o que aconteceu com as personagens em  Mémoires de deux jeunes mariées

Todo o enredo é conduzido através da correspondência entre Louise de Chalieu e Renée de Maucombe, duas amigas que se conhecem num convento e que após renunciarem, ambas, à vida dos serviços religiosos  prometem continuar a união das suas almas através da troca de cartas. Antes de aprofundar a essência que as torna no ponto máximo do primeiro volume do autor francês, tenho que sublinhar a deliciosa narrativa e a profundidade  com que ficamos conhecendo tanto as suas vidas exteriores como interiores, apenas e exclusivamente, através das sublimes descrições que ambas fazem reciprocamente sobre o mundo que as envolve.  

Não irei conceber um resumo desta narração epistolar, mas antes, criar uma ponte destes casos particulares para a vida da mulher, em geral. Tema arriscado mas que me traz para um ponto que penso ser necessário: Balzac descreve, a meu ver, ambas as personagens sob uma luz especialmente importante para as  mulheres que sintam que a sua força de carácter não tenha sido devidamente apreciada no mundo actual e na história do ser humano. Estamos habituadas a um ideal de mulher emocional, frágil e por vezes levada aos desequilíbrios de um temperamento inconstante e mesquinho, mas raramente encontramos descrições dos casos que tornaram essas "fragilidades" no pináculo da sua grandeza. Tanto Louise como Renée demonstram que existe algo de profundo e extremamente poderoso nesta vulnerabilidade feminina. Cada uma segue por um caminho diferente, no entanto, somos levados a conhecer o paralelismo da virtude e moral de ambas.  Os sacrifícios sofridos por Louise e Renée mostram que a mulher, seja qual for a identidade que procure para si mesma,  não deixa de sofrer sozinha na sua própria sensibilidade e por vezes tremenda necessidade de amar para lá dos contornos de si mesma. Este ponto é visto nesta obra através de uma luz que celebra a possibilidade de existir estoicismo numa alma que é sensível ao invés da imagem que é projectada comummente de incompatibilidade entre ambas as coisas. 

Sem prosseguir muito mais - até porque espero que este pequeníssimo vislumbre vos incentive a ler a obra - Balzac faz uma descrição perfeita dos caminhos que uma mulher de fortes convicções pode seguir ao dar a sua vida em prol dos que ama, ainda que tenha de prescindir de uma liberdade material, é-lhe concedido o respeito por parte daqueles com quem convive e recebe a paz de espírito resultante da actividade da alma que se sente livre em qualquer circunstância.  A sua sensibilidade não a torna em nada mais que uma força capaz de dar à luz aquilo que a vida tem de melhor. 

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