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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

“Hoje a alegria não passou pelo meu coração”


por Manuela Livro

“Tia Lena, hoje a alegria não passou pelo meu coração” disse a Inês, uma menina de 5 anos com uns olhos enormes de ver o mundo.

O dia não correu nada bem na escola.
Estava no cantinho das histórias, tinha acabado de pegar num livro e a Amélia chegou ao pé de mim, tirou-me o livro e disse que estava na escola há mais tempo e por isso ela é que tinha o direito de ler o livro

No intervalo, as minhas amigas desapareceram e…
E o que fez a minha rica Inês?
Sentei-me na escada do pátio e fiquei assim.
Assim como?

Assim, e a Inês entrecruzou os braços, baixou a cabeça e fez cara de zangada.
Mas, então porque não foste à procura das tuas amigas?
Não fui porque veio a senhora auxiliar, disse-lhe que as minhas amigas tinham desaparecido e se me podia ajudar a procurá-las, mas ela disse-me que tinha outras coisas para fazer e que não tinha tempo para me ajudar.

Na hora de almoço, estava quase a acabar de comer quando tive vontade de ir à casa de banho e fui. Demorei um bocadinho e quando voltei a maçã que tinha deixado na mesa já não estava lá.
Tia, então não é mesmo um dia onde a alegria não passou no meu coração?
A tia Lena pegou na Inês, sentou-a no seu colo e disse-lhe com ternura:
Inês, vais prometer à tia que logo à noite irás recordar o dia de hoje, pedacinho por pedacinho e tenho a certeza que encontrarás algo de bom que te aconteceu.
A tia Lena despediu-se da Inês e foi para a sua casa.

No dia seguinte a Inês telefonou à tia, logo de manhazinha, e disse-lhe toda feliz:
Tia, descobri uma coisa boa que aconteceu ontem!
O que foi minha linda? Perguntou-lhe a tia.
“Salvei uma formiga tia”
Salvaste una formiga? Mas salvaste como? Questionou a tia Lena.
Olha, foi no intervalo. Quando estava sentada na escada vi que tinha uma fenda e que uma formiga ia para lá. Com medo que caísse, pus a minha mão à frente dela e ela subiu, subiu… e foi assim que a afastei da fenda. Vês tia, salvei a formiga e isso foi uma coisa boa que me aconteceu.
Inês, já pensaste que talvez a formiga quisesse ir para a sua casinha naquela fenda?
Não tia, se ela fosse para lá caía num buraco fundo e aí é que não podia salvá-la.

Nesta história real, a Inês, do cimo dos seus cinco anos, fez um relato sábio de ausências.
Ausência de um diálogo sereno com a Amélia e de uma lição de partilha.
Ausência do apoio que permitiu que uma maçã ganhasse vida e se evaporasse, sem explicação.
Ausência de educadores atentos à integração de uma criança num grupo novo. 

Como diz o cantor “a vida é feita de pequenos nadas” e, por isso mesmo, não podem ser deixados ao acaso.


Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

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