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sábado, 3 de novembro de 2012

A ciência do amor

por Filipa Lima

A palavra amor, segundo o dicionário da língua portuguesa, é o “sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atracão”. Este é apenas um exemplo, pois existem muitas outras definições da palavra “amor” assim como diversas interpretações e demonstrações desse sentimento, de tal forma que se tornou pertinente a procura por algo em comum. As alterações fisiológicas que ocorrem no nosso organismo e que nos permitem saber que estamos apaixonados, que sentimos amor por alguém, são a mais evidente prova de que o amor leva a uma alteração não só emocional como física dos indivíduos.

“With an irresistible cocktail of chemicals, our brain entices us to fall in love. We believe we’re choosing a partner. But we may merely be the happy victims of nature’s lovely plan”

Helen Fisher, uma antropologista, na Nova Jérsia, propôs a existência de 3 fases no Amor: Desejo, Atração e Ligação, considerando essas 3 fases relacionadas com os desejos sexuais, expetativas amorosas e sentimentos a longo prazo, respetivamente.

A primeira fase, consiste no desejo e deve-se principalmente às hormonas sexuais, como a testosterona (nos homens) e estrogénios (nas mulheres), que aumentam no sangue após a puberdade, levando à ânsia em ter alguém.

A segunda fase, consiste na atração, na paixão, e é caracterizada pelo aumento da energia e pela focalização da atenção num parceiro preferencial. Existem 3 neurotransmissores importantes envolvidos nesta fase:

-Adrenalina ou epinefrina: a sua concentração no sangue aumenta quando se começa a ficar apaixonado. É esta a hormona responsável por aumentar a nossa frequência cardíaca e ficarmos com a boca seca quando avistamos a “tal” pessoa.

- Dopamina: é a responsável pela sensação de prazer e motivação. Um estudo sugere que nos casais, por ação desta hormona, há o aumento da energia, uma menor necessidade de sono ou comida e uma atenção redobrada nos detalhes da relação amorosa. Os seus efeitos no cérebro são bastante semelhantes aos da cocaína e a dopamina está também relacionada de alguma forma com a endorfina, a morfina natural responsável pelo prazer, seja ele sexual ou não. As endorfinas são ainda responsáveis pela sensação de estar a “viver um sonho”, pela “saudade” da pessoa amada, mesmo quando esta está presente, no entanto a produção desta substância pelo cérebro é autolimitada.

- Serotonina: encontra-se em níveis baixos nos casais apaixonados, sendo responsável pelo constante pensamento sobre a pessoa de quem se gosta, pela fixação no ser amado. Alguns estudos mostram que os valores de serotonina baixos em pessoas apaixonadas se aproximam dos de pessoas com distúrbios obsessivos compulsivos.

Um quarto neurotransmissor torna-se relevante por controlar a ação dos três acima referidos, é a feniletilamina, uma molécula natural semelhante às anfetaminas, que se encontra elevada no cérebro das pessoas apaixonadas, sendo que a sua produção pode ser originada por acontecimentos tão simples como uma troca de olhares ou um aperto de mãos e tem um efeito tão potente que pode chegar a ser viciante (exemplo das pessoas que sentem a necessidade de “saltar” de romance em romance, abandonando cada parceiro, assim que o “cocktail” inicial desaparece). Esta substância, diretamente relacionada com a paixão e desejo sexual, existe em vários alimentos, como o chocolate, sendo, contudo, necessário comer grandes quantidades de chocolate para observar o seu efeito.

A terceira fase, ou “fase de ligação” ocorre quando o amor deixa de ser visto só como atração/paixão e já existem laços suficientes para que os parceiros fiquem juntos. Passa-se então à fase do “amor sóbrio”. Nesta fase são importantes 2 hormonas: a ocitocina e a vasopressina:

-Ocitocina: é uma hormona que atua tanto em certas partes do corpo (como por exemplo na indução do trabalho de parto) quanto em regiões cerebrais, estando associada às emoções e comportamentos sociais, de que são exemplos as uniões sociais (homem-mulher ou mãe-filho) e a diminuição das resistências à proximidade por outrem. Vários estudos experimentais verificam que esta hormona “é a principal responsável pela preferência sexual, na formação do vínculo, na diminuição da agressividade e no aumento de comportamento de proteção, da doação e da entrega, responsável pela monogamia, promovendo assim a fidelidade”;

- Vasopressina: é considerada a hormona da fidelidade.


Para terminar, e após o estudo quase exaustivo e no entanto tão superficial sobre o amor e o “estar apaixonado”, termino com uma leve explicação sobre o que nos leva a escolher um determinado parceiro. Este é um processo que visa garantir a continuidade da espécie e mesmo que inconscientemente temos a tendência para escolher uma pessoa com os melhores genes possíveis e com um sistema imunitário diferente ao nosso, isto para que a nossa descendência tenha benefício de ambos os sistemas. Embora ainda em estudo, pensa-se serem as feromonas, mensageiros químicos trocados entre indivíduos da mesma espécie, as responsáveis pelo reconhecimento mútuo e sexual. Desta forma, a espécie humana, tal como vários outros mamíferos, tem a capacidade de distinguir genes através do “cheiro”, sendo que a visão ao contrário do que seria de esperar, tem um papel mais secundário. Resta saber se temos o órgão vomeronasal, como nos outros mamíferos, específico para detetar esses mensageiros químicos, e se assim for, a espécie humana pode de facto ter 6 sentidos, sendo o sexto a capacidade de detetar feromonas.

Para um “vídeo resumo” consultem o seguinte link: http://bcove.me/pto943gt.

7 comentários:

  1. Artigo muito bem elaborado, Filipa, e extremamente interessante! Convida ainda à reflexão sobre temas de um calibre superior, como por exemplo:

    Será que toda a essência dos sentimentos, emoções e comportamentos que caracterizam as pessoas apaixonadas se poderá cingir à mera análise de hormonas, e puras explicações biológicas, como as retratadas neste artigo?

    Sonhar é sempre bom e agradável, mas até que ponto poderemos considerar como verosímil e efetivamente verdadeiras as românticas hipóteses que vêm com o "amor"? Não haverá nenhum elemento transcendente, espiritual que explique a união entre duas pessoas apaixonadas?

    Declarações sonhadoras e romantizações vêm de mão em mão com as relações amorosas. Duas pessoas que foram feitas uma para a outra, que se olharam e encontraram a sua casa no olhar uma da outra, duas almas incompletas que subitamente acharam a sua outra metade. Será então tudo isto meras ilusões, desprovidas de qualquer autenticidade?

    Outro aspeto que me cativou foram as hormonas ocitocina e vasopressina, que parecem sugerir que o Homem realmente está biologicamente programado para a monogamia, e não para a poligamia, muito mais frequente no reino animal. É comum ouvir dizer que a monogamia foi um conceito alimentado por pressão social, e não por reais atributos biológicos, mas parece que afinal isto são apenas preconceitos enganosos.

    Estas três fases referidas apelam ainda à noção de que o amor científico implica necessariamente um elemento sexual, um desejo de cariz físico. Geralmente, nas visões idealistas do amor, assume-me que o elemento fulcral numa relação é a união de personalidades, e a "química" (termo curiosamente apropriado para este contexto) entre as suas maneiras de ser, e que portanto o aspeto físico é apenas um "bónus" secundário à base primordial da atração, que está assente em elementos psicológicos e comportamentais. Será mesmo assim?

    A suposta semelhança entre o amor e a obsessão compulsiva, alimentada pelo facto de os níveis de serotonina serem tão baixos, faz pensar ainda que o amor pode mesmo ser visto como algo pouco saudável, sendo que tem elementos de obsessão e vício, uma curiosa perspetiva e que soa particularmente verdade, tendo em conta a interdependência que muitas vezes se gera entre os parceiros de uma relação.

    Gostei imenso do artigo! Continua o bom trabalho. :)

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  2. Lostio,
    estou convencida que estás a entrar por um campo que se afigura tumultuoso. Parece-me claro que não podes reduzir o amor a umas meras ligações químicas, dado que esta é só uma parte do próprio sentimento. Se todos os sentimentos têm uma correspondência física, é plausível. Mas têm também outro lado, eu não seriam sentimentos, seriam factos médicos, como partir uma perna.
    Quanto a um elemento transcendente que explique o amor, eu penso que é possível. Considero que cada pessoa tem um campo energético e que esse campo é responsável pela atracção/afastamento de determinadas pessoas. Se há uma união a priori da união física das pessoas, eu não sei. Se há uma espécie de mão divina, muito menos. Mas o que me parece que a Filipa quer dizer é que, para além de poder haver um extra, o próprio sentimento é científico.

    Laura

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  3. Na verdade, não acho que qualquer um destes factos retire a magia àquilo que é estar apaixonado(a) por alguém. Mesmo que um dia consigamos perceber exactamente como se processa, não me parece que sejamos capazes de o induzir, ou mesmo simular. Cada pessoa é, já de si, tão complexa e a sua "formação" emocional depende de factores tão diversos que acho seguro dizer que o ser humano vai continuar a ter "heartaches" sem remédio, vão continuar a acontecer histórias de amor fantásticas, baseadas em coincidências (uff, o que se podia discutir acerca destas "coincidências" também) que ninguém consegue totalmente explicar, e nunca vamos saber ao certo explicar por que é que algo resulta. Por mais que se procure por fórmulas, há coisas que não se explicam assim.

    Sofia

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  4. Sim, compreendo perfeitamente o que estás a dizer, Laura, mas a minha questão aqui é até que ponto estes sentimentos serão explicados unicamente por uma via física e biológica?

    Acredito que a Filipa tenha utilizado a abordagem científica não como a única responsável pela explicação dos sentimentos, mas como um modo de evidenciar que existe uma parte fisicamente mensurável que explica os sentimentos e emoções que vêm com o estar apaixonado.

    No entanto, a análise efetuada faz sugerir, mesmo que minimamente, que talvez o amor não seja mais do que apenas um jogo de hormonas e enzimas. E, portanto, sentimentos são factos médicos equivalentes ao de "partir uma perna", usando o teu caricato exemplo. ;)

    Agora, o que faz com que estes sentimentos, ou esta brincadeira biológica de substâncias chegue a se despertar? Aí sim, poderemos entrar pelo jocoso mundo das especulações românticas e sonhadoras, como os campos energéticos, mãos divinas, destino, etc.

    A meu ver, trata-se essencialmente de uma questão de definir a sequência causa-efeito. Será que a verdadeira causa de uma proximidade amorosa é a união de dois campos energéticos, é uma compatibilidade de almas, é uma presença espiritual que agregou dois seres? E, consequentemente, a brincadeira biológica de hormonas não é mais do que a maneira de conseguir observar concretamente este acontecimento de natureza transcendente?

    Ou será que as próprias hormonas e enzimas, e a maneira como se distribuem, são os elementos responsáveis pela criação do sentimento e dos comportamentos associados a este? Sendo que as romantizações sonhadoras criadas por poetas e artistas para louvar o amor são apenas devaneios para explicar algo que é puramente científico e biológico?

    São duas abordagens, distintamente opostas, e creio que é sempre proveitoso averiguar qual delas nos parece mais autêntica. Nem eu sei bem em qual acredito mais - a visão romântica é mais aprazível, mas a visão científica parece-me mais realista.

    Estaremos a tornar espiritual algo que é científico, ou será o contrário?

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  5. André, se eu conseguisse responder com certeza a todas as tuas perguntas possivelmente o "amor" não teria tanta piada, porque iríamos perceber todo o mecanismo a ele inerente. Que há uma justificação biológica para grande parte das manifestações que ocorrem quando se está apaixonado, disso não tenho dúvidas e é isso que explico no texto. Quanto ao que nos faz aproximar de uma pessoa e não de outra, o que tu chamas por "causa", para isso também há justificações científicas em estudo, como a das feromonas, a teoria de escolhermos uma pessoa com o sistema imunitário diferente do nosso, etc, etc. Mas isso parece-me ser o que acontece quando nos sentimos atraídos fisicamente por alguém, e mesmo assim não sei se justificará a 100% a atração física. Mas e se a nossa primeira atração por uma pessoa for pela maneira como ela pensa, pelos seus gostos, pelo seu "feitio"...? Aí já acho que há algo que transcende o explicável pela fisiologia. Aí há algo "superior", chamem-lhe "campos energéticos", "mãos divinas", "destino"... Acho que essa sim é a parte do amor mais misteriosa e também a mais interessante, exatamente por isso, por não a entendermos bem (e não me parece que alguém a vá entender um dia). Porque é que nos apaixonamos mais facilmente por alguém que preenche os nossos sonhos, tem determinadas ideias que nos agradam, cumpre as nossas expetativas e só depois começamos a dar atenção ao seu físico e a sentir a atração fisica ao invés de nos apaixonarmos mais facilmente por aqueles por quem temos primeiro a atração física antes de tudo o resto...? Não é exatamente isso que nos torna "a raça superior", os racionais? Se tudo o que o "amor" implica fosse apenas o explicado fisiologicamente não seríamos como todos os outros animais? Será que sentiríamos amor ou seria apenas um instinto? Não escolheríamos os parceiros para mera procriação? E os casais que nem ambicionam ter filhos e que mesmo assim se encontram extremamente apaixonados e com todos os mecanismos fisiológicos e não fisiológicos extremamente ativos? E os casais homossexuais?
    E aqueles que sentem uma atração física enorme e se dizem "apaixonados" se depois forem incompatíveis intelectualmente dará esse "amor" certo, sera um "amor" verdadeiro?
    Este texto pretende apenas explicar o que leva às alterações que nos permitem saber que estamos apaixonados, não explicar o porque o estamos. Explicar porque se está apaixonado pode não ter resposta ou pode ter uma resposta (ou milhões delas) dependente de cada.
    Como conclusão: sim, existe ciência no amor, não, o amor não é uma ciência. =)

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  6. Por acaso, acho que a Sofia tocou no pormenor provavelmente mais fascinante do amor, e que qualquer explicação, científica ou metafísica, não conseguirá nunca satisfazer. A incapacidade de o reproduzir.

    É verdade, efetivamente, tudo o que tem a ver com amor acaba por nos afetar de algum modo, alguns mais atraídos pela sua mística, outros mais "de pés na terra", convencidos que não tem nada de transcendente, mas o facto é que não o conseguimos simular ou reproduzir. Não o conseguimos forçar a acontecer, não o podemos simplesmente injetar que nem uma "poção do amor". Podemos interpretar a sua ocorrência, explicar os procedimentos envolvidos durante a sua presença, mas não o podemos criar. Isso, realmente, dá-lhe aquela magia característica.

    E, ainda, do mesmo modo que não o podemos criar, também não o podemos evitar de acontecer. Existem casos em que podemos mesmo dizer que parece que as pessoas estiveram destinadas a apaixonar-se, sem que pudéssemos fazer algo para inibir o surgimento desses sentimentos.

    Gostei muito dessa tua frase final, Filipa, "existe ciência no amor, mas o amor não é uma ciência", creio que foi uma ótima maneira de condensar as ideias principais que tentaste abordar. :P

    Aquilo que nos leva a ficar atraído por uma certa e determinada pessoa continua a ser uma área ambígua. As teorias das feromonas e pela busca por parceiros com sistemas imunitários diferentes são fascinantes, e contribuem para desmistificar um pouco as noções românticas do amor, mas, tal como dizes, são apenas teorias e não justificam muitos casos.

    A questão de ter uma atração por alguém que é inicialmente determinada apenas por aspetos psicológicos e comportamentais vai também contra a explicação científica para o amor, mas será que esta chega verdadeiramente a ocorrer? Não estaremos nós, na realidade, sub-conscientemente atraídos inicialmente pela parte física e sexual, e só depois pela parte psicológica? São sempre questões interessantes a pôr.

    As explicações fisiológicas explicam apenas uma parcela do procedimento total que ocorre no amor, e, mesmo assim, não explica todos os casos com total precisão. Os casais homossexuais e os que não buscam filhos invalidam a teoria da busca pelo melhor parceiro reprodutor, pessoas que se conhecem apenas pela Internet ou que são surdas/mudas e não sabem o aspeto físico da outra pessoa desabam a teoria da primeira fase deterministicamente sexual e física...

    São as maravilhas e as maldições de ser "a raça racional". Nem tudo pode ser facilmente previsto e racionalizado como um instinto biológico, mas não deixa de significar que a biologia não tem um papel fundamental no que toca a refletir e evidenciar estes comportamentos e sentimentos, possivelmente de natureza transcendente.

    Obrigado pelas respostas e por darem continuidade à discussão! :) Acho que, seja com a abordagem calculista da ciência ou não, o facto é que ninguém fica indiferente ao tema do amor. ;)

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  7. Amor é existirem 3.025 mil milhões de mulheres e nenhuma gostar de ti.
    Amor é existirem pessoas que são umas badalhocas para quem não gosta delas e são difíceis para as outras.

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