por Rute Melo
Após a despedida de um Verão bem-parecido,
surgem os ritmos stressantes e monótonos de um setembro boreal. Com ele, a reabertura
de infantários e escolas e, claro, o avivar de consciências, acompanhado pela emersão
de “cabos & tormentas” para o desenvolvimento da dinâmica pedagógica, bem
como para a desvirtuação do papel do professor.
Refiro-me, mais concretamente, aos horários zero, à
coligação de várias unidades orgânicas escolares (os designados giga
ou mega agrupamentos) e consequente encerramento de escolas, à garantia
de uma acção social escolar e à carência
de uma educação defronte para a
cidadania. Algumas das muitas “almarrotadas” lições.
Em Agosto fazia-se juz ao adágio popular, denotando-se
algum “desgosto” no sistema educativo português, após terem soado números
que transpareceram a imagem de calamidade e instabilidade do ensino. Algo
como 13.306 docentes do quadro (in revista
Lusa) a serem devorados pelos ditos horários
zero. Na prática, e em modo lacto, a situação pode ser traduzida na ideia
de que o profissional não desempenhará, na íntegra, as suas funções básicas,
neste caso, leccionar. Estando, portanto, o exercício da sua profissão alienado
às privações da Escola em que se encontra. Assim, um professor sem componente
lectiva, ou facultará outros serviços na instituição educativa (acreditando que os mesmos
basear-se-ão no itens e funções vigentes ao Estatuto
da Carreira Docente) ou, simplesmente, é “recrutado” para a
interminável lista de “mobilidade interna” (em 2011, cerca de 4000
profissionais encontravam-se nesta situação, in DN Portugal, 1 de Agosto de 2012).
É certo que os valores da “oferta educativa” são
superiores aos da “procura”, ou seja, a população escolar tem vindo a diminuir
e, em contrapartida, o número de professores a aumentar, mas serão os horários zero a solução mais eficaz?
A extinção ou fusão de unidades disciplinares conseguirá promover melhores
resultados? E o aumento de alunos na sala de aula privilegiará um
ensino-aprendizagem diferenciado? … Até custa a acreditar!
Partilho a ideia de que esta alteração de política educativa
e curricular recua com a acepção de Escola
Pública (não a que radica do dogmatismo político, centralista e
burocrático, mas a que apela à liberdade de aprender e ensinar!), pois está de
tal forma delineada para uma gestão calculista do angustiante decurso de corte
de despesas (na educação, claramente traduzido na redução do número de
docentes) que “humanamente” fica aquém das directrizes idealizadas para uma
educação escolar com serviço de qualidade.
Nesta inconstância, caminham os alunos para salas de aula
lotadas, com um menor número de aulas e os professores para o seu local de
trabalho, na incerteza dos serviços em que serão necessários e se estes
corresponderão à sua área de actuação profissional (salienta-se a possibilidade
e/ ou excepção de leccionar Cursos de
Especialização Tecnológica, orientar aulas de apoio, desenvolver projectos
integradores e contra o insucesso escolar, entre outros que variam em
conformidade com as necessidades e recursos da escola).
Pelo meio, surgem pulsantes quesitos: “Como ser Professor em transição? Como
ser Professor perante as constantes alterações e adaptações curriculares?
Haverá tempo para a “re-instrumentação”? Pior, como ser Professor sem dar
aulas?”
... Contra a corrente, ecoam as
sempre certeiras palavras de Paulo Freire: “Apesar
de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo
fracasso da educação, grande parte [dos professores] resiste e continua
apaixonada pelo seu trabalho.”
Ainda num estado de sensaboria e de apelo à Escola Pública, aponto o seu carácter
social, de combate à exclusão e na promoção de igualdades, destacando, neste
sentido, a importância que têm os programas
de alimentação escolar, nos quais se inserem as refeições subsidiadas, bem
como a distribuição diária de leite escolar e de fruta (Programas Europeus). No que concerne à distribuição de
leite nas escolas, esperemos que no decorrente ano lectivo, não surjam impasses
(tal como aconteceu aquando o Ministério da Educação decretou que esta acção
estaria a cargo de cada autarquia; panorama em vigor no continente português) e
que a gestão de dinheiros públicos não atinja a reposição de reservas de bens
alimentares, de modo a que se zele pelo bem estar e saúde das crianças.
Para terminar, não poderia deixar de realçar o imperativo de uma educação para a
cidadania, visto que há que repensar nos movimentos e contornos em que anda
o sistema educativo e nas pressões com as quais a Escola se tem debatido. Que
este ano lectivo promova, acima de tudo, nas crianças e jovens, a
capacidade de dialogar, de discernir, de pensar e de “saber ver” e que o
Professor se apresente, exactamente, como móbil orientador, desafio
itinerante, questionamento crítico, para a criação de tempos e espaços
dinâmicos onde se estimule a consciência cívica e reflexiva, procurando
ensinar com a sabedoria do “hoje” o cidadão que viverá e agirá no “amanhã”.
Nota
·
Site oficial da Federação Nacional de Professores, FENPROF http://www.fenprof.pt/?aba=27&mid=115&cat=226&doc=6673
(artigo relacionado com as diversas actividades celebrativas do “Dia
Internacional do Professor”, comemorado a 5 de outubro de 2012).
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