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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Regresso às aulas: o repensar das 'lições'


por Rute Melo


Após a despedida de um Verão bem-parecido, surgem os ritmos stressantes e monótonos de um setembro boreal. Com ele, a reabertura de infantários e escolas e, claro, o avivar de consciências, acompanhado pela emersão de “cabos & tormentas” para o desenvolvimento da dinâmica pedagógica, bem como para a desvirtuação do papel do professor.

            Refiro-me, mais concretamente, aos horários zero, à coligação de várias unidades orgânicas escolares (os designados giga ou mega agrupamentos) e consequente encerramento de escolas, à garantia de uma acção social escolar e à carência de uma educação defronte para a cidadania. Algumas das muitas “almarrotadas” lições.

            Em Agosto fazia-se juz ao adágio popular, denotando-se algum “desgosto” no sistema educativo português, após terem soado números que transpareceram a imagem de calamidade e instabilidade do ensino. Algo como 13.306 docentes do quadro (in revista Lusa) a serem devorados pelos ditos horários zero. Na prática, e em modo lacto, a situação pode ser traduzida na ideia de que o profissional não desempenhará, na íntegra, as suas funções básicas, neste caso, leccionar. Estando, portanto, o exercício da sua profissão alienado às privações da Escola em que se encontra. Assim, um professor sem componente lectiva, ou facultará outros serviços na instituição educativa (acreditando que os mesmos basear-se-ão no itens e funções vigentes ao Estatuto da Carreira Docente) ou, simplesmente, é “recrutado” para a interminável lista de “mobilidade interna” (em 2011, cerca de 4000 profissionais encontravam-se nesta situação, in DN Portugal, 1 de Agosto de 2012).

            É certo que os valores da “oferta educativa” são superiores aos da “procura”, ou seja, a população escolar tem vindo a diminuir e, em contrapartida, o número de professores a aumentar, mas serão os horários zero a solução mais eficaz? A extinção ou fusão de unidades disciplinares conseguirá promover melhores resultados? E o aumento de alunos na sala de aula privilegiará um ensino-aprendizagem diferenciado? … Até custa a acreditar!

            Partilho a ideia de que esta alteração de política educativa e curricular recua com a acepção de Escola Pública (não a que radica do dogmatismo político, centralista e burocrático, mas a que apela à liberdade de aprender e ensinar!), pois está de tal forma delineada para uma gestão calculista do angustiante decurso de corte de despesas (na educação, claramente traduzido na redução do número de docentes) que “humanamente” fica aquém das directrizes idealizadas para uma educação escolar com serviço de qualidade.
           
            Nesta inconstância, caminham os alunos para salas de aula lotadas, com um menor número de aulas e os professores para o seu local de trabalho, na incerteza dos serviços em que serão necessários e se estes corresponderão à sua área de actuação profissional (salienta-se a possibilidade e/ ou excepção de leccionar Cursos de Especialização Tecnológica, orientar aulas de apoio, desenvolver projectos integradores e contra o insucesso escolar, entre outros que variam em conformidade com as necessidades e recursos da escola).

            Pelo meio, surgem pulsantes quesitos: “Como ser Professor em transição? Como ser Professor perante as constantes alterações e adaptações curriculares? Haverá tempo para a “re-instrumentação”? Pior, como ser Professor sem dar aulas?”
... Contra a corrente, ecoam as sempre certeiras palavras de Paulo Freire: “Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte [dos professores] resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho.”

            Ainda num estado de sensaboria e de apelo à Escola Pública, aponto o seu carácter social, de combate à exclusão e na promoção de igualdades, destacando, neste sentido, a importância que têm os programas de alimentação escolar, nos quais se inserem as refeições subsidiadas, bem como a distribuição diária de leite escolar e de fruta (Programas Europeus). No que concerne à distribuição de leite nas escolas, esperemos que no decorrente ano lectivo, não surjam impasses (tal como aconteceu aquando o Ministério da Educação decretou que esta acção estaria a cargo de cada autarquia; panorama em vigor no continente português) e que a gestão de dinheiros públicos não atinja a reposição de reservas de bens alimentares, de modo a que se zele pelo bem estar e saúde das crianças.

            Para terminar, não poderia deixar de realçar o imperativo de uma educação para a cidadania, visto que há que repensar nos movimentos e contornos em que anda o sistema educativo e nas pressões com as quais a Escola se tem debatido. Que este ano lectivo promova, acima de tudo, nas crianças e jovens, a capacidade de dialogar, de discernir, de pensar e de “saber ver” e que o Professor se apresente, exactamente, como móbil orientador, desafio itinerante, questionamento crítico, para a criação de tempos e espaços dinâmicos onde se estimule a consciência cívica e reflexiva, procurando ensinar com a sabedoria do “hoje” o cidadão que viverá e agirá no “amanhã”.


Nota
·      Site oficial da Federação Nacional de Professores, FENPROF http://www.fenprof.pt/?aba=27&mid=115&cat=226&doc=6673 (artigo relacionado com as diversas actividades celebrativas do “Dia Internacional do Professor”, comemorado a 5 de outubro de 2012).

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