Ao longo da História, a
humanidade não tem equacionado sempre da mesma forma a problemática da “deficiência”, bem como da Educação Especial.
Numa breve contextualização, evidenciam-se as três etapas
evolutivas da Educação Especial:
- A primeira teve início no
século XIX e prevaleceu até meados do século XX, a chamada Segregação. Destacam-se
as figuras de Jacob Rodrigues e Jean Itard, com as suas experiências
científicas em crianças portadoras de deficiência. Surgem as escolas
residenciais, a defesa da concepção envolvimentalista de inteligência (o meio é
valorizado, em detrimento dos factores biológicos), aplica-se a “escala métrica
de inteligência” e o conceito de “quociente de inteligência” (Q.I), que vêm acentuar a categorização e
rotulação dos alunos. Neste período, prevalece a ideia de que os alunos com
deficiência não deveriam frequentar o ensino regular por constituírem um factor
de perturbação.
- A segunda está alicerçada no
movimento de crítica e contestação, durante os anos 60 e 70, às práticas
segregacionistas, designando-se Integração Educativa. Esteve associada a uma gradual revisão
das teorias educativas (há o entendimento de que os alunos em regime de
segregação em classes especiais não apresentavam melhores resultados do que os
alunos com deficiência integrados em classes regulares), à formação dos
primeiros movimentos associativos (de pais/ encarregados de educação e das
primeiras organizações de portadores de deficiência) e a uma nova acepção de
inteligência – a da modificabilidade cognitiva (por Reuven Feuerstein). A nível
político, são implementadas novas orientações (Public Law, 1975 – 1990 e a Warnock
Report em 1978, ambas medidas legislativas americanas, que pretendiam a
promoção da igualdade de oportunidades educativas), inauditas decisões
históricas acerca dos direitos civis (ecoam, nos E.U.A, as vozes de Luther King, Rosa Parks e de Harvey Milk).
Não esquecendo, claro, em 1948, a Declaração
dos Direitos Humanos.
- Nos anos 80 e 90 desencadeia-se
uma nova dimensão da cultura escolar, acreditando que a escola deve responder e
adaptar-se às necessidades da criança, em defesa de “uma escola para todos”. Elevando-se, aqui, a Inclusão. Este apelo à
mudança centrou-se, essencialmente, no currículo. Segundo o R.E.I - Regular Education Initiative – procurava-se que a educação regular
fosse global (1986) e que os serviços de educação especial se associassem ao
ensino regular, de modo a que fossem atenuadas diferenças e que se
estabelecessem práticas pedagógicas direccionadas para salas de aula mais
inclusivas. Em 1994 são apresentados os Procedimentos-Padrões
das Nações Unidas para a Equalização de Oportunidades para Pessoas Portadoras
de Deficiências, por via da Declaração
de Salamanca. Neste documento é abroquelado que todas as crianças devem
aprender juntas e que as escolas regulares, enquanto comunidades abertas e
solidárias, devem ser os meios mais eficazes no combate a atitudes discriminatórias,
reajustando e melhor planificando os seus currículos (instrumentos, estes,
funcionais e de flexibilidade pedagógica).
“A
perspectiva da Escola Inclusiva é sim bem oposta à da escola tradicional e
integrativa, ao promover uma escola de sucesso para todos, ao encarar os alunos
como todos diferentes e necessitados de uma pedagogia diferenciada (…) ” (Perrenoud,
2001)
Dos
Discursos às Práticas
Podia mencionar a definição de “criança com deficiência”
(aceite internacionalmente pelo Council
of Exceptional Children, no I
Congresso Mundial sobre a Educação Especial), mas prefiro apelar, sempre
que posso, à democratização das oportunidades educacionais que será,
plenamente, concretizada quando todos percebermos a urgência da implementação,
por inteiro, de um projecto sólido, como o da inclusão, em resposta às
múltiplas diferenças pessoais, sociais, culturais e políticas que existem. O
caminho, actualmente, apresenta saliências. Muitos são os que se governam pelo
“politicamente correcto”, esquecendo o concreto, as acções, a faceta pragmática
do tema. Hoje, face a uma Escola de todos & para todos, interessa-nos a
conjugação de esforços efectivos (entidades governamentais, pais/ enc. de
educação, professores e Escola) a favor da plena e eficaz exequibilidade de
uma educação inclusiva, que se faz de forma gradativa, contínua, sistémica
e programada, para que todos possam aprender juntos, a ritmos e estilos de
aprendizagem diferenciados. Estando, assim, em cada um de nós, a defesa da
cidadania e dos direitos humanos, no fundo, a proclamação de princípios
emancipatórios, como a igualdade e a liberdade.
Actualmente, as diferenças motoras/ físicas, cognitivas
(deficiência mental e dificuldades de aprendizagem, como a sobredotação), os problemas
comportamentais, mais do que serem vulgarmente entendidas como casos de “aluno-problema”
ou de “aluno desvio” deviam, antes, significar que a heterogeneidade nas turmas
é uma realidade, com a qual podemos e devemos lidar, não a partir de um ensino
direccionado para o “aluno médio”, mas, por via de um conjunto de estratégias
que possibilitem, a cada aluno, atingir o seu máximo, na realização dos
objectivos didácticos.
“O
facto dos alunos serem todos diferentes não implica que cada um tenha de
aprender segundo uma metodologia diferente; isto levar-nos-ia a uma escola
impossível de funcionar nas condições actuais. Significa, no entanto, que se
não proporcionarmos abordagens diferentes ao processo de aprendizagem estamos a
criar desigualdade para muitos alunos.” (Heward, 2003)
Condições
necessárias à prática inclusiva: Escola – Professores – Sala de aula
Muitos são os problemas levantados nas escolas, abordando
diversos obstáculos à diferenciação e à inclusão: a rigidez curricular,
avaliativa e metodológica, a carência de recursos humanos e materiais (falta de
material pedagógico adaptado e de pessoal especializado para dar suporte ao
professor titular), as dificuldades na reavaliação logística e estrutural da
escola (e.g. a eliminação de
barreiras arquitectónicas), entre outros. Todavia, há que explicitar que não
existe uma receita universal antidiferencialista modelo, existem, pois,
estratégias e acções educativas eficazes, da Escola Pública, na ordem do
respeito pela dignidade humana.
A aplicação destas metodologias passa, exactamente, pelo Professor
(ensino regular e ensino especial) e pelo ambiente privilegiado à aprendizagem
– a sala de aula. Salienta-se, assim, a indispensável valoração de uma boa e
sólida formação de docentes do ensino regular, para que estes, mais tarde,
estejam devidamente apetrechados das ferramentas necessárias à execução de uma
ação inclusiva e para que consiga reagir, de modo veemente, às diversas e
peculiares necessidades educativas, com as quais se pode vir a confrontar.
Outro ponto essencial, diz respeito às expectativas dos docentes, no desempenho
e auto-realização da criança (o denominado “Efeito
Pigmaleão”), o que, consequentemente, levará a uma reavaliação de
concepções, de modo a que o professor inclua a aceitação das diferenças nas
suas actividades lectivas. Por sua vez, os professores de educação especial
(com elevado grau de especializações em N.E.E) têm um papel bastante relevante,
não só por se responsabilizarem pelo atendimento directo das crianças e jovens
com N.E.E, bem como actuarem como consultores de apoio ao professor do ensino
regular, num trabalho conjunto, que pretende a identificação de problemas e o ajustamento
das alternativas programáticas e de avaliação e/ou orientação do aluno com
N.E.E.
A sala de aula, por seu turno, é apontada como a
oportunidade que as equipas pedagógicas têm de fazer da inclusão uma realidade
coesa. Neste cenário, procura-se, sobretudo, uma educação para os valores - aceitação
da diferença, o respeito pelo Outro e o zelo pelo seu bem-estar físico e
emocional -, um ensino por níveis diversificados (preparação das aulas com
vista às necessidades especiais dos alunos), o estabelecimento de regras de
funcionamento adequadas a actividades diferenciadas (em grupo, ou individuais,
como o plano individual de trabalho -
PIT) com auto-correção. Este sistema
de acção torna possível, ao professor, seguir e supervisionar a turma, e,
claro, ter oportunidade de auxiliar os alunos com dificuldades educativas,
fazendo uma avaliação muito mais directa e corrente (identificando progressos e
retrocessos na aprendizagem).
Como estratégias preponderantes no ensino de crianças
com N.E.E, têm-se feito notar a educação física adaptada (e.g. actividades aquáticas), o ensino
com recurso à multimédia e sistemas pictográficos (e.g. a comunicação bliss), a dançoterapia, a música, a equitação
adaptada, as artes plásticas e dramáticas, entre outras actividades.
Acima de tudo, o ensino de crianças portadoras de
deficiência deve ir ao encontro da minimização das suas dificuldades (pela
orientação de profissionais bem formados), mas, certamente, deverá
engrandecer as potencialidades destes alunos, auferindo-lhes os melhores
recursos para a sua construção pessoal.
Uma Escola para Todos já existe. O
que nos escapa é que todos estejam, devidamente, aptos e dedicados na
manutenção deste complexo Projecto Inclusivo do Ser Pessoa.
Referências bibliográficas:
HEWARD, W.L. (2003). Ensino
e aprendizagem: dez noções
enganadoras limitativas da eficácia da educação especial.
PERRENOUD, P. (2001). A Pedagogia na Escola das Diferenças
(2ª edição). Porto Alegre: Artmed Editora.
UNESCO (1994). Declaração de Salamanca e Enquadramento da
Acção na Área das Necessidades Educativas Especiais. Conferência Mundial
sobre Necessidades Educativas Especiais: Aceso e Qualidade. UNESCO. Salamanca.
Espanha.
Quando andava na primária tínhamos uma turma de necessidades especiais. Lembro-me que tinham toda uma variedade de alunos com os mais variados problemas de integração e aprendizagem. Os alunos não se integravam bem na escola uma vez que estavam sempre à parte. Muitos eram maltratados pelas outras crianças, algo que muito me perturbavam, pois mesmo tendo só 7 anos, já sabia que eram crianças como as outras e passava muito tempo a brincar com elas. Concordo com a inclusão destes alunas nas turmas. Cheguei a ter uma aluna com Síndrome de Down na minha turma e apesar de todas as dificuldades que sentia nas aulas ficava sempre muito feliz por poder estar com os meninos "normais" (era o que se dizia na altura).
ResponderEliminarLilrien,
EliminarAntes de mais, agradeço-lhe a partilha de opinião.
Sem dúvida que um sistema educativo coeso, passa, exactamente, por uma Escola pré-disposta a alterar os seus padrões de funcionamento e demais estruturas, para que possa dar a melhor resposta às necessidades dos seus alunos. Devendo, portanto, assentar num modelo pró-activo de Inclusão. O necessário é mostrar a todas as crianças que a riqueza da educação (ensino- aprendizagem e para a vida!) encontra-se na diversidade, nas diferenças (abolição de preconceitos) e que um Ensino para Todos (sustentado numa sólida formação de profissionais pedagógicos) é possível, desde que atenda aos estilos e ritmos de aprendizagem de cada um.
Uma vez mais, obrigada!
Um apelo a que fique atenta à secção “Educação” e às restantes áreas do blog.
Sara M. Garcia