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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Do homem ao humano - A importância da linguagem

por Ana Melo Faustino


A natureza da linguagem e a importância das relações sociais na formação do ser humano são temáticas que há muito intrigam o homem. Atualmente, a neurociência associa-se a outras áreas, como a psicologia e a sociologia, para a realização de intensivos estudos e investigações que abordam estas mesmas temáticas. 

Apesar de já não muito comuns, as crianças selvagens são modelos de estudo um tanto ou quanto perfeitos. Passo a explicar:
Criança selvagem
“designação usualmente atribuída a uma criança que cresceu e se desenvolveu fora da sociedade, fora da cultura, fora da civilização, por vezes sozinha, por vezes na companhia de animais, mas, em todo o caso, sempre longe dos modelos humanos e das relações sociais.“


Considera-se, então, que estas crianças se podem dividir em 3 grupos: 
  • as que sobrevivem por si mesmas (Victor Aveyron, 1800, link do filme no final do texto)
  • as criadas e auxiliadas por animais (Maria Isabel Santos, o único caso português conhecido, 1981)
  • as que cresceram em clausura (Genie, 1970)

Na verdade, estas crianças têm em comum uma série de características que nos permite afirmar tratar-se de um caso selvagem. A dificuldade de interação com humanos, a reduzida expressão facial, a ausência total ou parcial de bipedismo, os sentidos visuais e olfactivos melhor desenvolvidos, comunicação/vocalização por sons muito semelhante a animais, a preferência por alimentos crus e pela presença de animais e a indiferença relativamente à sexualidade são alguns dos exemplos mais concretos.

Posto isto, resta saber qual o interesse destas crianças.
Primeiro, há que saber que todos nós carregamos variadíssimas pré-disposições na nossa componente genética, pelo que as competências linguísticas e relacionais não serão excepções.
No entanto, pensa-se haver um “período sensível”, algures na infância, para o desenvolvimento destas mesmas competências, explicando o porquê de a maioria destas crianças não conseguir comunicar ou estabelecer um diálogo coerente, mesmo após longos períodos de treino.
Acredita-se, ainda, que é durante este período que a criança se humaniza, no seio da sociedade, como resultado das mais diversas interações, sendo que após esse intervalo de tempo, parece haver uma involução destas capacidades, de um modo aparentemente quase irreversível.

Daqui percebe-se a importância da sociedade e das relações interpessoais na formação do ser; não do homem, mas do humano. E nada melhor numa relação que a comunicação, daí que a linguagem seja um elemento chave no nosso desenvolvimento, resultando num complexo sistema que liga o mundo exterior, o “eu” e o “outro”.
As áreas de Wernicke e de Broca são as áreas da linguagem por excelência; são as responsáveis pela recepção, percepção, integração e compreensão de estimulos, bem como a preparação de uma resposta face a esses estímulos. Mas é importante reter que a linguagem não compreende apenas uma vertente verbal, visto que a comunicação continua a ser feita por gestos, símbolos, sons, expressões faciais, entre outros.

Ora, a partir do momento em que estas crianças são privadas do contacto humano e se vêm obrigadas a crescer em condições anómalas, pergunto-me se poderão ser chamadas humanas. Não dominam a linguagem humana, não dominam o saber estar, não têm costumes humanos, não têm sentimentos humanos...

O que nos define como seres humanos?
Onde é que está o início do ser humano?

A ciência soube responder como surgiu o Homem, mas “quando surge o ser humano?” continua a ser das questões éticas mais pertinentes e problemáticas. Esta, então, anda bastante em voga; é no aborto, é na eutanásia, é nos estudos com embriões...

Para além dos exemplos já dados acima e do Tarzan (que se diz ter sido criado por macacos, em África, após a morte dos pais) e do Mogli (criado por uma alcateia), deixo-vos aqui mais alguns nomes de crianças selvagens (reais), cuja história podem facilmente encontrar na internet:

  • irmãs Amala e Kamala, Midnapore 1920
  • menino-gazela, Síria 1946
  • Ivan Mishukov, “Rapaz-Cão Russo”
  • Gaspar Hauser, Nuremberga
  • Memmie Le Blanc, 1731
  • Pedro, Hanover 1726

Filme: Victor Aveyron


Documentário:Is it real – Feral Children

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