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sábado, 27 de outubro de 2012

Ciência: a arte da razão?

por Parelho
Para esta minha primeira publicação optei por compor um texto mais informal, um texto que não relate, em detalhe, descobertas científicas mais, ou menos, recentes, um texto que não esteja repleto de termos com os quais todos nós estamos, ou não, familiarizados… De facto, este texto é fruto das minhas próprias vivências…
Enquanto estudante de Medicina na Universidade dos Açores, tive a oportunidade de assistir a um seminário organizado pela mesma, seminário esse que tinha como convidado Craig Mello, descendente de Açorianos e Prémio Nobel em Fisiologia ou Medicina em 2006, pela sua descoberta do “RNA interferência – silenciamento de genes por RNA de dupla cadeia”.


Após uma exposição acerca do funcionamento e das potencialidades da sua descoberta, exposição cujos detalhes em nada servem o propósito do presente texto (talvez sirvam o de um próximo, quem sabe…), eis que chega a altura em que Craig responde a perguntas colocadas pela audiência. Da primeira fila, uma docente exclama: “De modo a inspirar toda uma nova geração, diga-nos, o que é preciso fazer para ganhar um Prémio Nobel?”.
A audiência, quase em uníssono, riu, do quão ridícula era a pergunta, porque toda a gente a gente sabe que para se ganhar um Prémio Nobel é preciso ser-se um génio…
Craig esboçou um sorriso e disse: “Vejo a sala a rir porque são alheios à pertinência da pergunta…”. O silêncio tomou a sala e ele continuou: “Certo dia, estava no laboratório com o meu, então, novo assistente, a ensinar-lhe como tudo funcionava. Em jeito de brincadeira, mandei-lhe injetar sondas de RNAi em embriões. Após ele o ter feito, observei o resultado ao microscópio e reparei que ele tinha falhado todos os alvos. Uns acima, uns abaixo, outros ao lado, uns bem perto, outros muito longe… É claro que o tentei encorajar dizendo que havia feito um bom trabalho, mas a verdade é que não estava bom. Ou pelo menos assim o pensei… Normalmente teria descartado aquela amostra mas por alguma razão decidi guardá-la. No dia seguinte voltei a observá-la para poder instruir o meu assistente e, para grande espanto meu, reparei que todas as sondas tinham migrado para os seus alvos. Repeti eu próprio a injeção, falhando propositadamente os alvos, e obtive os mesmos resultados. Este foi o momento determinante na minha investigação, o momento em que percebi que independentemente do sítio onde administrássemos a sonda, ela acharia sempre o seu alvo…”.
Se aquele fora um momento determinante para a investigação de Craig, o momento em que escutei esta história também o foi para mim… E isto porque foi nesse momento que me interroguei: será a Ciência tão dependente da Razão como nos tentam fazer crer?
A mim, esta pareceu-me uma “confissão” de que às vezes tudo se resume a um pouco de sorte… E sorte é um atributo que tem feito parte de diversas descobertas que deixaram a sua marca na história da Ciência, não só do exemplo em questão. Não me levem a mal, não pretendo tirar mérito algum a quem teve a capacidade de pegar no papel, ligar os pontos e completar o desenho… Mas o facto de o passo determinante de uma descoberta, à qual foi atribuída um Prémio Nobel, ter sido achado ao Acaso, faz-nos levantar questões…
Teria Craig chegado às conclusões a que chegou caso não tivesse conservado a “prova” do seu assistente? Teria ele ganho o Prémio Nobel? Antes que comecem a pensar que esta é uma campanha anti-Craig, deixem-me dizer que acredito que sim. Afinal de contas, ele teve engenho suficiente para pôr em uso aquilo que havia descoberto, para construir uma ponte que ligasse a migração do RNAi ao silenciamento genético. Ele é, sem dúvida, uma das mais brilhantes mentes da Ciência atual e merece todo o nosso respeito. Já eu, procuro apenas alertar-vos para a importância do lado da Ciência que não é tão dependente do Homem, para o facto de a Razão e o Acaso andarem de mãos dadas no que toca ao avanço da Ciência e, mais importante ainda, para o facto de ignorarmos o impacto que o Acaso tem…
Mas verdade seja dita, já lá vão catorze anos (uma eternidade em Ciência!) desde aquele fatídico dia no laboratório, catorze anos de racionalização da informação, de elaboração de hipóteses e de testes falhados, catorze anos que, supostamente, estariam repletos de inúmeras possibilidades já concretizadas… Mas destas ainda não se ouviu falar! Talvez seja altura de uma nova intervenção do Acaso…
Para quem quiser saber um pouco mais sobre Craig…
Se o vídeo se apresentar como demasiado pequeno, clicar 2x para abrir o link no youtube.
Poderão encontrar o documentário completo aqui. Despeço-me de vós deixando-vos com o conselho que me deixou Craig naquele dia: “Nunca excluam uma hipótese e nunca deixem um resultado por analisar, por mais absurdos que eles vos pareçam. Podem ter uma agradável surpresa…”. Não sei quanto a vocês, mas parece-me um ótimo conselho…
Um bem-haja!



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