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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Babel, a cidade vigorosa



Não é ao acaso que Babel, faixa-título do álbum, é escolhida para iniciar a segunda jornada de Mumford & Sons. A canção resume uma das características a que o disco acrescenta ao surpreendente estreante Sigh no More (ver crítica aqui), os instrumentos estão mais garridos e apurados. É uma das várias canções ao longo do álbum que tem o registo entusiasta e dinâmico de uma música ao vivo. Babel é o novo álbum, editado a 21 de Setembro.

É tentador resvalar para a narrativa bíblica da Torre de Babel, a construção humana que ousou alcançar a perfeição divina. Parece que, desde então, Ele nos dividiu em diferentes povos com várias línguas para que nunca nos entendêssemos e jamais pudéssemos construir tamanho sonho. Em Babel, as paredes de uma cidade antiga parecem ruir, mas Mumford e os seus discípulos depositam a fé numa redenção (I'll believe in grace and choice) onde se celebra o vigor da guitarra e do banjo e o intimismo, dedilhado numa só canção.



I will wait tinha mesmo de ser o primeiro avanço do disco. Reflecte a necessidade da banda, de resto patente noutras canções, de se conectar com a audiência, ambição desde já confirmada pelo grupo. O refrão deixa o espaço necessário para que o público o acompanhe e o torne gigante como foi demonstrado no anfiteatro de Red Rocks no Colorado. É o novo hino do grupo da folk rock como foi The Cave (no último álbum) em que as vozes e os quatro instrumentos da alma dos Mumford voltam a juntar-se em harmonia - banjo de Winston Marshall, teclado/piano de Ben Lovett, o violoncelo de Ted Dwane e a guitarra acústica de Marcus Mumford.



O dedilhar estudado como uma fórmula científica perpetua-se ao longo do single, apenas interrompido pelas teclas de Ben Lovett em crescendo. A agitação frenética corre o risco de camuflar a genuidade da prosa e, apesar de Marcus Mumford ter negado a relação do disco com a religião, a verdade é que as referências estão lá, mas servem apenas esse propósito, o da interpretação.

Em Ghosts that We Knew, o piano e o banjo assumem a coexistência da dor e da esperança. Consciente da escuridão, uma alma torturada suplica a quem o olha, e não lhe identifica “falhas no coração”, a possibilidade de um futuro. Apesar de amado e da vida apaziguar o sofrimento,  os fantasmas ainda o visitam e o homem precisará sempre de reassegurar a felicidade  (So give me hope in the darkness that I will see the light/ Cos oh they gave me such a fright/ But I will hold on with all of my might/ Just promise me we'll be alright).



Os teclados assumem pela primeira vez a dianteira da música, as mãos de Marcus trocam a guitarra pelas baquetas incisivas da bateria e o elemento transversal ao álbum surge, mas com uma nova roupagem: o banjo, agora é eléctrico. Igualmente desenhada para se conceber ao vivo, Lover of the Light reacende a combustão depois das quatro vozes ecoarem So love the one you hold/And I'll be your gold que irá certamente incendiar o público nos concertos.

Hopeless Wanderer pertence ao grupo de músicas que a banda escreveu e compôs em Nashville. Ted Dwane acredita que a canção defende a sonoridade do disco que os Mumford pretendiam. “É uma canção que define o álbum de alguma forma, na sua excitação e motivação. Eu penso que a escrita das letras é um pouco mais madura”.



A nona faixa é sem dúvida o pedaço divino que a banda salvou da Babilónia. A bravura e a ousadia do piano nas mãos de Lovett nunca mereceram o papel de protagonista até então. As teclas servem de guia à voz de Marcus durante os primeiros 90 segundos até que, no mesmo instante, gotas de cada instrumento jorram numa chuva intensa e crua ao som de Hold me fast, hold me fast / Cos I'm a hopeless wanderer. Errante, o homem que vagueia, roga pelo dia em que possa caminhar sobre o céu que o cobre. A música mereceu a atenção de Chris Martin, líder dos Coldplay, no seu twitter oficial.

Holland Road está também no pódio das conquistas de Babel. Depois de I will wait, a faixa é a primeira a introduzir o tom sombrio. É uma trova de motivação individual que supera facilmente o primeiro avanço do álbum, ao conjugar melhor todo os instrumentos, incluindo a esperançosa sonoridade da trompa. A guitarra grita em uníssono com o banjo e é em Holland Road que um homem com “pensamentos do inferno” vê o seu resgate (And when I've hit the ground/ Neither lost nor found /If you'll believe in me I'll still believe).



Babel encerra com Not with Haste, versão da colaboração com Birdy em Learn me right para o filme Brave Indomável da Pixar. É uma afirmação desvergonhada e honesta na pela fé na esperança. Quase como num conto ela não é fortuita, mas lição do passado. A ansiedade em amar deixou-o em ruínas. Agora fá-lo “sem pressas”.



Atenção ainda para Broken Crown, possivelmente a música mais revoltante de Babel (I took the road / and I fucked it all away / now in this twilight, how dare you speak of grace) e para The Boxer (versão deluxe), cover de Paul Simon que inclui a participação do mesmo.


Babel parece já ser um fenómeno comercial, foi o álbum que vendeu mais cópias numa só semana nos Estados Unidos (600 mil unidades) e o que escalou em menor tempo a posição cimeira do Reino Unido. Recentemente igualaram um feito que pertencia exclusivamente aos Beatles ao introduzirem seis canções em simultâneo de Babel na tabela da Billboard.

Depois de Sigh no More, o quarteto britânico tinha duas opções: o distanciamento do disco ou seguir a mesma linha. Babel é certamente inferior ao seu antecessor, mas ainda tem a sonoridade única do folk que lhes é característica, as letras enriquecidas e um som de uma alma antepassada, capaz de cobrir um grande espectro etário.



Quem não gostou do primeiro álbum, não vai mudar de opinião em relação à banda. Os Mumford & Sons não esperavam o sucesso de Sigh no More e muito menos uma tour extensa, onde pouco tempo sobrava para escrever. A banda folk rock assume-se primeiramente como uma live band.

Os concertos que deram pelo mundo foram uma grande influência neste último trabalho. Babel é mais robusto e enérgico e denota uma maior preocupação dos Mumford em captar a mesma atmosfera dos concertos. Nisso foram bem-sucedidos. Mas se a experiência lhes trouxe um melhor domínio, liberdade e consciência dos instrumentos, o folk tornou-se mais híbrido e os refrões mais sonantes e elípticos.
Babel foi uma jogada segura, mas não merece de todo um descrédito. É uma viagem enorme e fervorosa. É uma festa para o público.

Na última canção, Mumford e os seus discípulos deixam um recado - This ain't no sham/ I am what I am/ I'll leave no time/ For a cynic's mind.

A celebração pode ser-lhes cobrada no futuro. Mas para já, o folk continua em boas mãos.

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