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domingo, 14 de outubro de 2012

Anton Tchékhov

por Mita Jacinto



1860 (Rússia) -1904 (Alemanha)

Muitas vezes senti que o teatro era insensível por demasiado teatral e melodramático, para que me concentrasse na espessura das personagens.

Até ler as primeiras peças deste dramaturgo, até ver “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant” de Fassbinder, até encontrar Bergman em “Persona” ou nos “Morangos Silvestres”.

Ler “A Gaivota”, “O Jardim das Cerejeiras”, “O Tio Vânia” ou “As três Irmãs” é aceder ao mundo do que pode ser dito com invariável elegância, subtileza e rigor numa aparência diária, quotidiana, desprovida (aparentemente) dos excessos da vida interna das marionetas que nos habitam.

Já li algures que refutou Tchékhov a acção. Talvez. Talvez essa seja uma leitura. As personagens mais não fazem que “ir à sua vida”, ora se sentam, ora conversam, ora amuam, ora passeiam pela casa ou jardim, ora fazem e desfazem malas, ora choram, riem, não se importam nada com o escritor ou o espectador ou leitor, são deles independentes, não querem agradar, assinalar, nem moralizar ninguém, mas em cada gesto, em cada palavra foi concentrada a pérola do colar de emoção e sentimentos que os animam e dos quais não podem separar-se por serem os sentidos possíveis do seu pensar. Do seu ser.

Afinal, a vida é assim, feita de simbólicos gestos e palavras camuflados como banais na tentativa, as mais das vezes frustradas, de manipular ou esconder a verdade dos fios que nos movem. Ou de a fabricar. Ou de a mostrar.

A vida que temos qual é? Que frustrações nos determinam o caminho? Que sentimentos e amores nos guiaram? Não é no íntimo cenário doméstico que as mais dramáticas e surdas guerras ecoam? Não é a existência feita de palavras e pessoas simples, de tédios dramáticos?
Que diz o que não é dito? Que é dizível?

Ler Tchékhov é um súbito prazer. Tanto mais actual quanto se reconhecem ali os sinais da tentativa de regresso a uma normalidade ameaçada pelos ventos de mudança.

Igual fulgor e intensa suavidade só voltei a sentir em Tenessee Williams e Eugene O`Neill, mas isso é para outra conversa.

“-Anda sempre de preto porquê?”
“-Estou de luto pela minha vida. A minha vida é uma desgraça.”

“A Gaivota” de Anton Tchékhov


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