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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

'Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes'


por Laura Sequeira

Antes da leitura deste texto, peço que o leitor se abstraia das suas crenças enquanto ser ocidental – ou criado numa sociedade ocidentalizada – e que a crítica não seja durante o ato da leitura, senão após o mesmo.

Os meus olhos são uns olhos,
     e é com esses olhos uns
     que eu vejo no mundo escolhos, 
     onde outros, com outros olhos,
     não vêem escolhos nenhuns.
António Gedeão

O ser humano ocidental tem a incrível capacidade e certeza de que se pode reconhecer no presente, lembrar do passado e de conseguir projetar no futuro. Podemos por isso dizer que é um ser do tempo, um ser temporal, o que não significa que tenha que ser autocentrado – que é uma característica do mesmo. Isto determina o tipo de pensamento que se desenvolve e que está presente na mais pequena decisão que tomamos. A partir do momento em que a supremacia da razão do próprio é o plano central responsável por qualquer decisão, estamos perante uma sociedade jovem, adolescente, que se pretende autoafirmar de uma forma rebelde. Toda a construção à volta do ‘eu’ (i.e. penso, logo existo) é sinónimo do pouco que nos pomos ‘aos ombros de gigantes’, julgando-nos nós mesmos tais criaturas.
Mas nem sempre tem sido assim.

Se nos reportarmos à sociedade Oriental e à sua Filosofia, que frequentemente se mistura com a Religião, concluímos que a Ocidentalidade que nos caracteriza está substancialmente desadequada aos objectivos que para nós estabelecemos e pretendemos cumprir. O problema atual, seja de que ramo for, está presente nos alicerces, nas origens. É preciso que as reconheçamos e que toleremos que a aprendizagem possa vir de outros que como nós não são. Daqui, pode advir uma de duas coisas: ou nasce um fascínio pelo Oriente e a nossa perspectiva muda radicalmente, porquanto somos capazes de reconhecer a nossa adolescência, ou, por outro lado, continuamos com a nossa postura gigantesca, sem nos apercebermos que estamos a ver por entre as pernas Orientais. O Homem Ocidental, ao contrário do Oriental, não pensa para além do que é fenómeno. Quer-se dizer, do que é materializável, do que se apresenta, do que aparece. Por consequência, não pensa nas origens de cada ente, o que torna imediata a falsa sensação de posse do que há. Se continuarmos a nossa análise comparativa, damo-nos conta de que o Homem Oriental não pensa desta forma. Este não deixa de criar civilizações – por exemplo, a riquíssima civilização Indiana nasceu entre os anos 2000 e 1000 a.C – mas a noção de temporalidade e de ‘eu’ é muito distinta.

Conceptualmente, o ‘eu’ não é um dado adquirido. Enquanto há uma auto-evidência do ‘eu’ por parte Ocidental, o Oriental pretende a sua desconstrução em vez da obrigatória construção do ser, tão essencial para nós. Isto acontece porque há a crença da ilusão de uma subjetividade, onde o raciocínio cartesiano não está presente, e da qual aspiram libertar-se. É daqui que surge o tão conhecido conceito de ‘libertação’, por vezes mal interpretado. Esta é a libertação do samsara, quer-se dizer, dos nascimentos consecutivos através dos tempos, para o retorno ao lugar de onde se veio – conceptualmente, Brahman. Quando o homem reconhece que pertence ao todo, quando se lembra que, embora tenha passado por uma fase de esquecimento, pode agora voltar a unir-se ao princípio comum a todas as coisas – não só as que aparecem, os fenómenos, mas aquelas que estão ocultas –, então está pronto para se libertar da rede de nascimentos. E assim, está livre. Em vida, pode buscar-se e encontrar-se e esta ideia é o máximo a que alguém pode aspirar. Daqui surge a anteriormente referida ideia de desconstrução do ‘eu’. Ora, como o ‘eu’ para o Oriental está em tudo, então chega-se à conclusão de que o mesmo descobre o alicerce de tudo o que se mostra.

Independentemente de termos sido construídos da forma que somos e de haver a possibilidade de não acreditarmos que voltamos para onde viemos, a ideia importante a retirar daqui é a seguinte: a certeza do ser não é explorada, porque é adquirida. Quando se pensa, não se pode pensar sobre nada. De uma forma incrível, conseguimos entrar, recentemente, num estado de latência e de estupidificação tal, que o problema da essência – ou do ‘alicerce’ – já nem se coloca porque há demasiada distração fenoménica que afoga o pensamento. A noção de evolução e de progresso é a construção incessante de tijolos sobre a consciência e a interrogação de si. Apelo à visão compreensiva e interpretativa, já que o nosso olhar que outrora fora de acesso ao mundo e interrogativo, é agora objectivo e cientista, em todo o seu esplendor negativo. 



Hegel's lectures on the History of Philosophy

Institute of Oriental Philosophy

Página oficial do professor Paulo Borges, professor de Filosofias na Ásia, a quem agradeço as aulas que inspiraram este texto.

Mafalda Blanc, professora de Metafísica, idem

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