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domingo, 22 de julho de 2012

Da doença e da cura dela, “O Mal de Montano” – Enrique Vila-Matas





Pois e hoje o remanço é do lar esse afrodisíaco de eleição da leitura, entre os rumores de gente que espinoteia cabriolando as férias que ansiou e agora  esbanja na curva do sol, na esquina do quotidiano que se tornou de repente não mais que veraneante ou nem isso, que é por dever ser que agora ali está carregadas as prateleiras das chamadas, oh tristeza, leituras de verão.

Tudo isto a propósito ou a despropósito da literatura da vida e da morte dela nesta era digital ou o que é o mesmo dizer: O Mal de Montano, Enrique Vila-Matas.

Livro que li nestes dias de aflição , de modorra e de calor para que brisa suave da  loucura  lúcida, nos sopre as ideias empoeiradas do convencional. Ora bem pois será uma leitura de qualquer época do ano, uma leitura feita de leituras dentro de leituras dentro de leituras, onde perdemos o conto aos personagens que são reais ou nem por isso ou assim-assim ou afinal eram sombras chinesas das almas que não dominamos.

O mal de Montano é o ar do tempo, o ar da literatura, a doença de quem acha que só com literatura a vida vale a pena. Quando a vida se espelha nos livros é uma calmaria, reencontramos os nossos dizeres que nunca foram ditos porque não o sabíamos ou podíamos fazer, mas partir da literatura para a vida isso  é uma doença... O mal de Montano... Suspender a vida pelos pés e fica a ver quanto tempo ela se aguenta assim suspensa no ar rarefeito da literatura. Encontrar Kafka, Montaigne, Gide, Pessoa, Dali,  Walser,  Michaux,  Pavese, Pitol, Rebard, Sebald, através dos seus diários íntimos, e visitar o Pico e o Faial com olhos que não existem em quem vê a vida sem literatura., encontrar quem??

Encontrar o homem novo no Pico, o Teixeira,  a solidão das ilhas sempre desertas,  a vida que mais não é que andar de ilha em ilha... Encontrar Lisboa, Cardoso Pires,  Hermínio Monteiro meu pessoal e saudoso amigo...

Um turbilhão  de avanços e retrocessos, em que o que parece normalmente não é, em que o que é agora pode nunca ter sido ou sê-lo desde sempre.

Não nos guia Vila-Matas, empurra-nos, rasteira-nos, fustiga-nos, mostra-nos o abismo, assoma-nos a vertigem, sufoca-nos, suspende-nos.

Raramente vi capa tão bem conseguida. Assusta-nos de repente a morte pendurada, com a leve suspeita de que algo não está certo. teremos coragem de ver melhor, com detalhe o abismo? Salvamos a literatura? Vila-Matas propõe-se salvá-la, o contrario do que faz em “Dublinesca” que lhe concede as exéquias...

Mas salvamo-la para quê? De quem? Quem assim a trucida?

Afinal, digo eu num eterno retorno ao que era simples e se conjurou em artifícios  burlescos,  ela é que nos salva da falsa simplicidade da aparência.

Não fora a literatura, quem seriam os outros?

Quem seriam os  que padecem do Mal de Montano?

Que(m) afinal somos nós a final?

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