Blogue de divulgação cultural, escrito por 28 pessoas. Um texto por dia, todos os dias.

sábado, 23 de junho de 2012

Um êxito = uma carreira?

por  João Xará

É difícil apurar quando surgiu a expressão “one hit wonder” e é igualmente complicado fazer uma tradução adequada para a língua portuguesa. A expressão é tendencialmente veiculada para a música e caracteriza o cantor ou banda, que ao longo da sua carreira, nunca consegue igualar o êxito de um hit passado.

Um sucesso estrondoso é à partida o que qualquer músico deseja alcançar, mas aquilo que pode ser um privilégio para poucos, é entendido como uma maldição ou mesmo o fim de muitos. Quem não se lembra do tema Boys de Sabrina, a cantora italiana que provocou a Europa no final dos anos 80? Se é verdade que grande parte do sucesso desta música electopop está no seu vídeo, onde Sabrina deixa cair involuntariamente o seu bikini, foram muitas as bandas e cantores que tentaram definir-se pela sua carreira, e não por um mamilo.

Video killed the radio star dos The Buggles coroou a rádio como o meio sagrado do artista musical e invadiu os tops no início dos anos 80 na Europa e nos EUA. É precisamente nesta época, a meu ver, que se encontram os maiores “one hit wonders” da história da música. Mas afinal o que é uma “one hit wonder”? É com certeza um sucesso inquestionável, mas não será extremamente redutor e até insultuoso para um artista?

Recordo-me que, aquando da estreia de Gloria Gaynor em Portugal, a Outubro do ano passado, havia vários posters espalhados por Lisboa que mostravam uma cantora, naturalmente mais velha (havia passado mais de 30 anos desde o seu maior sucesso), mas ainda glamorosa. Contudo, não era o seu nome artístico que aparecia em maior destaque, mas o seu mega-êxito I will survive. A um nível comercial será evidente que o concerto não teria tantos espectadores caso o “hino da música disco” não estivesse representado no cartaz.


Foi em 1981 que os Soft Cell lançaram aquela que, podendo ser apontada como “one hit wonder”, é seguramente uma das minhas predilectas. Tainted Love  (cover de Gloria Jones) gravada em menos de 48 horas, tinha agora uma roupagem arrojada, munida de brilhantes sintetizadores dos tempos áureos dos anos 80. O tema escalou as tabelas musicais até ao primeiro pódio de mais de 15 países e permitiu que o sucesso da banda fosse prolongado por mais 3 anos com mais 3 discos. Em 2002, a banda compôs o seu último e quarto álbum Beauty without Cruelty, sem muito sucesso. Porém, o single que lhes deu notoriedade foi já regravado por Marilyn Manson, Scorpions e até pelas Pussycat Dolls.


Todos nós crescemos com estas canções e rebuscando no meu baú de memórias, algumas delas, apesar de virais e contagiantes detêm possivelmente as piores e imagináveis letras possíveis. Life de Des’ree tem uma energia especial e um refrão catchy, depreendera então pela melodia e pelo título que seria certamente uma fantástica canção sobre a vida em geral. A ideia mudou quando li atentamente a letra ( I don't want to see a ghost/It's a sight that I fear most/I'd rather have a piece of toast/And watch the evening news). Vejamos, ainda o êxito improvável dos Bahamen com Who let the dogs out no ano de 2000. Metade da letra não é mais do que sucessivos latidos humanos, enquanto a outra metade é sobre uma festa que pode a qualquer momento ser interrompida porque ninguém (infelizmente) se lembrou de pôr uma trela nos cães.

Os êxitos momentâneos continuarão a multiplicar-se, sem escolher idades ou décadas. Se alguns possibilitam a construção de uma carreira, outros abafam-na e assumem-se indubitavelmente como o único sucesso de um músico. Os New Radicals criaram apenas um álbum em 1998, mas deixaram um tema estimulante e memorável para muitos um lema de vida – You get what you give.


Podemos muitas vezes não nos lembrar de quem interpreta, mas sabemos sempre trautear estes temas do início ao fim. Muitos consideram a expressão ingrata por fazer a lembrar quem vence uma vez que não o voltará a fazer, mas verdade é que muitos “one hit wonders” atravessam gerações e perduram no tempo. Não será afinal intemporalidade o fim último da música?

Sem comentários:

Enviar um comentário